Do Século XVI à Vila do Chaves: Cinco Curiosidades sobre a Commedia dell’Arte
- Victória Cintra
- há 4 dias
- 5 min de leitura
Atualizado: há 1 dia
Imagine uma forma de teatro onde não se depende tanto de texto escrito, mas sim da ação, da máscara, da improvisação — um teatro que mistura humor, gestos, risos e crítica social, tudo isso com personagens bem definidos que se repetem de apresentação para apresentação. Essa é a Commedia dell’Arte, uma das grandes contribuições da Itália para o teatro mundial, que desde os séculos XVI a XVIII marcou plateias — e continua influenciando arte, humor e expressão corporal até os dias de hoje.
A Commedia dell’Arte não surgiu pronta, mas foi emergindo nas ruas, praças, cortes e festivais italianos, em meio a festas, carnavais e encontros populares. Atos improvisados, personagens mascarados e situações que exploravam conflitos universais — amor, ambição, vaidade, engano — deram forma a um estilo vibrante, popular e ousado. Neste momento histórico, o teatro se tornava não apenas entretenimento, mas espelho crítico de costumes, desigualdades e relações humanas.
Para mergulhar nessa atmosfera rica que mistura tradição, riso e invenção, seguem abaixo cinco curiosidades fascinantes da Commedia dell’Arte — cada uma delas revela porque esse estilo teatral continua vivo, inspirando atores, diretores e plateias mundo afora.

1. As Raízes Populares e o Improviso que Encantava Multidões
A Commedia dell’Arte surgiu por volta de 1545 no norte da Itália, quando companhias de atores profissionais começaram a se organizar e deslocar do erudito para o popular. Essas troupes se apresentavam em praças, festivais e até mesmo nas cortes, mas sempre com uma forte base popular: o público vinha de todos os estratos sociais. Eles utilizavam cenários mínimos, figurinos vistosos, máscaras marcantes e algo essencial: o canovaccio — um esqueleto de trama com entradas, saídas, pontos fixos, mas com muito espaço para improviso. Esse improviso permitia que cada apresentação respondesse ao momento: um boato político, uma piada da vizinhança, um incidente local qualquer podiam virar pista de cena, permitindo que a Commedia se mantivesse relevante e surpreendente.
2. Máscaras e Personagens Fixos: tipos que dizem mais que palavras
Uma marca registrada da Commedia dell’Arte são os personagens fixos — figuras que, em cada peça, repetem papéis semelhantes, usando vestes, costumes e máscaras características.
Entre os tipos mais famosos estão:
Pantalone, o velho mercador veneziano, avarento, cheio de monólogos longos e preocupado com status;
Dottore (O Doutor), pedante, com fala rebuscada misturando latim, muitas vezes se vangloriando sem realmente saber o que está dizendo;
Capitano, o soldado fanfarrão, cheio de bravata, exagero e pouca ação;
Zanni, os servos, ao mesmo tempo tolos e engenhosos, responsáveis por muita das trapalhadas físicas, dos “lazzi” (rotinas cômicas repetidas) e das cenas cômicas mais viscerais;
Innamorati, os jovens amantes, geralmente sem máscara, representando o ideal romântico, o desejo, as provações do amor.
As máscaras ajudam — e muito — a reforçar essas tipologias: o nariz grande, as expressões exageradas e o figurino padronizado permitem que o público reconheça imediatamente quem está em cena, de que camada social aquele personagem vem, quais são suas pretensões, medos ou manias. A máscara é simbólica, criativa, uma linguagem visual que complementa (e às vezes fala mais que) as palavras.

3. A Influência Além das Fronteiras: da Itália ao mundo todo
Embora nascida na Itália, a Commedia dell’Arte rapidamente ganhou fama além-mar. Trupes itinerantes cruzavam fronteiras, levando personagens e formatos para a França, Alemanha, Inglaterra, Espanha e outros países.
Na França, por exemplo, o estilo deu origem à Comédie-Italienne, e personagens como Harlequim (Arlecchino) e Columbina ficaram populares em versões locais. Na Inglaterra, traços da Commedia influenciaram pantomimes e o harlequinade. No cinema mais moderno, o legado aparece em comédias físicas, em humor visual e em personagens que dependem do corpo e do gesto para causar efeito — eco dos Zanni e seus conflitos.
4. Arlequim: o servo que virou estrela
Entre os muitos personagens da commedia dell’arte, nenhum brilhou tanto quanto Arlequim (Harlequino). Ele nasceu como um simples servo faminto, ingênuo e atrapalhado, que se metia em confusões tentando agradar seus patrões e conquistar o amor da bela Colombina. Sua esperteza e jeito brincalhão, porém, logo o transformaram em algo muito maior: um símbolo do povo comum — astuto, resiliente e cheio de vida, mesmo diante das dificuldades.
Arlequim se destacava por seu figurino inconfundível, formado por retalhos coloridos costurados em forma de losangos, que representavam a pobreza e a criatividade popular. Com o tempo, o personagem evoluiu. Ganhou mais charme, tornou-se ágil, acrobático e espirituoso — um verdadeiro mestre da improvisação. Sua energia cativava o público, e ele passou a roubar a cena dos nobres e doutores da trama. Arlequim atravessou fronteiras e séculos, inspirando artistas como Picasso e Jean-Gaspard Deburau, e servindo de base para personagens modernos do cinema e da cultura popular.
Hoje, Arlequim é lembrado como a alma da comédia popular, o eterno malandro de bom coração que, com humor e inteligência, transforma a adversidade em riso — e prova que a leveza pode ser uma forma de resistência.

5. De Arlequim a Chaves: o espírito da Commedia na Vila
Pode parecer improvável, mas a essência da commedia dell’arte atravessou séculos e oceanos até chegar à América Latina — mais precisamente à vila criada por Roberto Gómez Bolaños, o eterno Chaves. A série mexicana, um dos maiores sucessos da televisão mundial, carrega muitos elementos típicos da tradição teatral italiana: personagens fixos, humor físico e situações que se repetem de forma cômica, mas sempre humana.
Chaves, por exemplo, é um descendente direto do Arlequim — um personagem simples, pobre, de bom coração e eternamente faminto, que se mete em confusões tentando resolver seus problemas com ingenuidade e esperteza. O Seu Madruga, com seu jeito malandro e preguiçoso, lembra o personagem Brighella. Já a relação entre Dona Florinda e o Professor Girafales reflete os enamorados da commedia dell’arte: sempre cheios de gestos teatrais, promessas românticas e interrupções cômicas, que mantêm o amor suspenso e o riso constante. Até a relação entre os personagens — com brigas, reconciliações e mal-entendidos — reflete a estrutura dos enredos improvisados da commedia dell’arte.
Essas semelhanças não são coincidência. Bolaños, grande estudioso do humor, se inspirou em tradições universais da comicidade, adaptando-as ao contexto popular latino-americano. Assim, o espírito da commedia dell’arte ganhou nova vida na vila do Chaves, provando que o riso é uma linguagem sem fronteiras, capaz de conectar o teatro renascentista italiano às risadas das famílias brasileiras diante da TV.

Reverenciar a Commedia dell’Arte não é apenas celebrar o passado, mas entender como teatro, humor e humanos sempre estiveram entrelaçados. Ela nos ensina que o improviso pode ser arte, que a máscara permite revelar verdades, que rir dos poderosos e abraçar nossos defeitos é parte da cura social.
No Teatro Eva Wilma, onde valorizamos a diversidade de expressões teatrais, a Commedia dell’Arte serve como lembrete de que teatro é corpo, risco, riso — um espaço onde plateias e atores se fundem em uma experiência viva. Quando um espetáculo moderno incorpora elementos da Commedia — um personagem mascarado, uma cena de improviso, um conflito entre velhos e jovens —, está reativando um legado secular.
Seja você amante de duelos verbais, de risos físicos ou de personagens que exageram o humano, saber dessas curiosidades é como conhecer as raízes daquilo que continuamos a aplaudir no palco. Porque teatro bom, verdadeiramente bom, é aquele que pulsa entre o riso e o sentimento — e a Commedia dell’Arte pulsa forte até hoje.
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